(...) da ashfixia à serotonina

sexta-feira, janeiro 27, 2006

182º














Georg Suturin

181º

De Rapina

Fica infinito, não te dissipes.
Permanece.
Preciso de me deitar no chão frio a olhar-te.
Pedir-te que me salgues a pele e os sentidos.
Diminui-me.
Arrasta-me até ao teu trono e grita-me.
Sou o teu farrapo e a tua musa. Serei a tua refeição,
pausadamente.
Atiça-me as feridas.
Recorda-me uma cicatriz, amarra-me a frio.
Torna-me depressa incandescente.
Aquece cada parte de ti em mim e rasga.
Rasga-me as asas nuas, expostas.
Usa-me.
Por fim, assina.
Assina sempre cada quadro de pele e osso que pintes.
Assina o teu trabalho com os restos e a sombra quieta, cadavérica,
da ave morta e ainda quente.
Faz transparecer vestígios do que era eu.
Da ave, da pena, da presa lívida.
Faz-me um ponto final,
acaba-me.

180º



















Maria Latnik

quinta-feira, janeiro 26, 2006

179º

Pé ante pé, ameaço-te.
Serei espinhosa todas as noites.
Escolhes mal,
repetidamente mal.
O meu baralho vai calar-te.
Consentirás?
Aplaudo os teus talentos, a tua determinação em enfrentar todas as feras,
de uma vez só.
Viva! Viva para ti que és dono de uma pérola que mais ninguém vê.
Será realmente importante?
Será de louvar o teu jeito de exclusividade?
Pensarei atempadamente.
Quando souber te direi... Se vives, se permaneces,
se calas o teu grito numa paragem matutina.
Se ficas para partilhar os restos de um corpo
usado, espremido.
Fui eu exposta a ti inerte...
Mumifica-me.
Faz-me perdurar.
Mas, guarda este minuto para a sobremesa.

- Beija-me por dentro.
- Como?
- Como te ensinei... Tu sabes.
- Hum... Deixa-me ver. Estás como antes!
- Sim. Hoje ressurgi do gelo...

Tu não sabes que na verdade,
dentro de mim cresce um mundo novo.
Tenho a dádiva de transformar um retrato vazio numa aguarela transbordante.
Tenho um lápis e uma borracha.
Aqui perto há um jardim por explorar...
Acompanhas-me?

178º



177º

Laralaralala... Ouço-te cá de cima.
Risos leves, tudo te torna hilariante...
Menos eu.
Tudo é giro e interessante. Todo o mundo te seduz e te chama.
Porque não queres que te abrace agora?
Já não gostas de mim?
O que nos aconteceu?

Fui lá fora e deixei-te.
Foi o bastante...
Já sei que te visitaram as ninfas dos teus sonhos húmidos.
Apenas fui comprar cigarros...
O que te levou? O que te fez esquecer-me?

Não quero dizer adeus agora.

Posso dormir um pouco mais?
Ainda é cedo... Podemos fazê-lo depois!

Amor? (Onde estás?)

...

176º



















Patrick Jan Van Hove

175º

Debaixo da pele descansas.
Estás fria, molhada,
de medo.
Debaixo de escamas és outra.

O céu tem assinatura de pena de ave.
As rochas têm o teu grito gravado,
têm azias, vestígios de sofrer.
As escamas são falsas substitutas,
são réstias de lâmina.

Eras réptil.

No meio do mundo, do útero,
a gema...
Agora o vulto germinado.
O réptil, o inimigo primeiro.
As escamas, a dor original.

Eras réptil.

Nas ilhas circundantes há ninhos por cessar.
Virás tu réptil?

Eras também peixe e multiplicavas-te no sal das águas, nos mares e praias.

Há uma constelação que me lembra de ti.
Conheço-te de frente e de verso.

174º



















bryon p mcCartney em Imagens

quarta-feira, janeiro 25, 2006

173º

À noite

À noite, às escuras,
crescem moinhos nos olhos felizes.
Moinhos de vento levam sonhos,
passeiam sorrisos pelo ar.
Um assobio percorre uma espinha,
um beijo pára uma lágrima.
Há noites escuras mas
cheias de mensagens sem voz.
Há recados nas pedras,
gestos nas estátuas.

À noite, às escuras,
nascem meninos nas mãos dos amantes.
Meninos que são fotografias e trazem sorrisos,
meninos que vivem nas mãos dadas.
Um morcego rasa os cabelos,
uma lágrima dança nos lábios.
Há noites escuras mas
cheias de gestos sem som.
Há cartas nas estrelas,
lembranças nas sebes.

172º



















By Mattias Fagerlund

171º

Era uma vez um rosto.
Tinha olhos, nariz e boca.
Tinha expressão.
Neste rosto havia mais coisas.
Havia o substrato quieto, escondido.
Havia caras de reis passados, histórias de baús.

- Lembra-se agora?

Um tempo, um rasgo memorial...
Uma velha como o tempo, um rosto amarrotado.

- Lembro-me. Penso nela às escuras quando os meus olhos se estendem para lá dos telhados nus... Lembro-me de um dia em que ela me chamou "Menina!". Saltei três ou quatro degraus e ri-me de ignorância pura.

Um papel amarelo, uma velha suja.
Cabelos soltos, esvoaçantes...

- Mãe?

(Silêncio)

Para lá de um rosto quieto, imune, há um substrato profundo e velho.
Há um passado de interrogações e silêncios.

A velha cobria-te de medo.
Tu deixavas de ser tu, passavas ao papel.
O papel tinha olhos, nariz e boca.
O papel tinha rosto, tinha expressão.

(Silêncio)

- Tens papel?

terça-feira, janeiro 24, 2006

170º

169º

É hoje que mato, que esfolo, que esventro.
Hoje está um dia óptimo para descer aos infernos e ficar por lá a apodrecer.
Afinal de contas, há muito que um certo paraíso secreto fechou para obras.
São noites seguidas de sonos maus, inquietos.
Imagens reguilas preenchidas de insectos cabeludos
e nuvens negras carregadas de tempestades.
São dores que apoquentam mais ou menos.
Mas,
nada de novo.
Um entorse na minha mente impede-me de prosseguir.
Vou sentar-me no jardim a ver os pássaros cairem,
as flores a morrer...
Amanhã tentarei ser a máscara feliz de um dia sempre estúpido.

168º

Um, dois, três. Respira fundo.
Sustém o ar em ti. Guarda todo o teu ar...
Só mais um pouco.
Crash!
Deu-se o inevitável.
So full of shit...

segunda-feira, janeiro 23, 2006

167º

sexta-feira, janeiro 20, 2006

166º

Odiu

Correm os cães vadios nas sombras, no mato.
Andam os cães vadios no meio de nós, nos cadáveres.
Contudo, há rostos canídeos nos corpos humanos.
Há vida animal nos novos apartamentos, nas novas cidades.
A fauna dos blocos de cimento e betão, século XX... Rostos e corpos que não se encontram e não se partilham.
Gentes que são matilhas, que espumam, que estão a sujar as ruas com a raiva.
Também na raiva somos igualmente gente, cães famintos.
Usamos (sequiosos) vidas rápidas, descartáveis...

- Hey! Hey menina!
- Sim?
- Não pagou esse jornal.
Ouve-se um som rápido, abafado, da arma silenciada.
- Cretino...
Apaga-se a lua entre as nuvens, aparece o manto de nevoeiro.
O segredo está guardado nas árvores, nos olhos injectados de sangue...

- É um quadro estranho este! São cães vadios?

quarta-feira, janeiro 18, 2006

165º

164º

Out (...) Side

A minha mão é pequena mas acolhe.
O meu grito é mudo. Consegues ouvir?
Quando acreditamos que tudo é um quarto, um cubo de vidro inquebrável...
Sabemos então que somos pequenos.
Tudo é enorme e longínquo.
Somos pequenas peças de um tabuleiro quebrado.
Somos os restos guardados no frigorifico, num tupperware.
Esqueceram-se de nós mas e daí?
Dá-me água.
Sabes que a vida está por um fio?
Don't worry.
Não vou dar-me ao luxo de agitar uma corda vocal que seja.
Vamos apreciar os ultimos goles e os segundos a voar.
Deus é um dedo da tua mão.
Eu escolho o mindinho...
para não puderes apontar.
E agora? Hã?!
E agora?
Vens ou saltas?
Ouves a voz do além nas paredes do precipício?
Estavas aqui,
estás lá.

Goodbye... my sweet...
my lost corpse.

Shiu! Não digas nada.
Eu sei tudo...

163º

terça-feira, janeiro 17, 2006

162º

O dossier arquiva os teus restos mortais,
caro colega...
A tua falência repugna os vermes,
nem mesmo eles pernoitariam a teu lado.
És carne podre.

Procuro uma lanterna para saber o que se passa.
Combinámos as horas certas, o lugar...
É aqui que queres morrer?
Tinha-te dito que os teus pais não aceitariam a tua falta.
Não deves castigá-los sendo tu de novo.
Dá sangue vivo aos deuses, aos poetas vivos no céu.
Caminho para te apoiar na descida.
Eis o inferno na cave do lado. É fria e lenta...
Fria a veia e lenta a vida a fugir.
Gosto que decidas de uma vez só.
Antes eras um zero cheio e hoje soubeste desejar.
Vou perdoar a tua morte e contá-la por escrito.
Vou perpetuar-te caro colega.
Afinal,
és só carne podre.

161º

Esta poderia ser (mais) uma noite.
Mais um cigarro morto em pensamentos, em alegrias silenciosas.
Poderia pedir-te que me explicasses as leis do cosmos, da vida, de nós.
Esta deveria ser uma noite livre, de almas juntas...
Colheria de bom grado as sementes do passado.
Amarte-ia uma e outra vez, num segredo só nosso.
Hoje não há passado. Não há linhas prescritas nas nossas mãos.

Somos cães vadios.

terça-feira, janeiro 10, 2006

160º



















Christian Schott

159º

Hum...
Pára!
Deixa ficar aí esse gesto suspenso.
A respiração rápida,
O cabelo caído pelas costas...
A encosta do prazer!
Deixa deslizar...
Espuma, saliva no sexo,
Na meia-luz.
Retrai um suspiro, uma queda,
Um cortinado secreto.
Acende a vela no meu ventre,
desafia o umbigo a seguir-te...
Cera quente,
Suor frio.
Arrepia-me!

158º


















Walmer

157º

Sorri!
Julgas que te peço em demasia?
Quero acreditar que és feliz agora como me dizes.
Saber-te sereno e harmonioso em novos mares...
Mudaste muito este ano. Fazes-me crer que te transformei!
És tu ainda?
Toca-me.
Toca-me no fundo de mim, nua...
A tua mão segura-me. O que sinto é verdade.
Porquê? Porque sei que sinto, amor.
Afinal, dentro do meu coração há correntes de ar.
Uma ventania que enlouquece os nossos corpos!
Sei que temos duas mãos enroscadas, dedos molhados, corpos estendidos...
Pingos de suor crescem no teu peito.
Hoje abriste o teu rosto ao meu.
Foi mais um dia fotografado nos nossos olhos, nas nossas mentes.
Alma gémea, a nossa.

156º



"The Sea of Galilee" ; Delacroix ; Walters Art Gallery at Baltimore ; Photographs by Mark Harden and Carol Gerten-Jackson

155º

Nas farpas, a ira!

Repentam as ondas nas farpas.
Bruuuuuuuuum!
É ira, é zanga e revolta grave.
A raiva é sincera, solene.
É frontal.
Corre um murmúrio de ataque...
Um presságio na boca da farpa.
A morte é uma criança em perigo
Nas farpas, nas unhas...
A vingança é grata.

154º

153º

Hoje apetece-me ouvir...

For Whom The Bell Tolls

Make his fight on the hill in the early day
Constant chill deep inside
Shouting gun, on they run through the endless grey
On the fight, for they are right, yes, by who's to say?
For a hill men would kill, why? They do not know
Suffered wounds test there their pride
Men of five, still alive through the raging glow
Gone insane from the pain that they surely know

For whom the bell tolls
Time marches on
For whom the bell tolls

Take a look to the sky just before you die
It is the last time you will
Blackened roar massive roar fills the crumbling sky
Shattered goal fills his soul with a ruthless cry
Stranger now, are his eyes, to this mystery
He hears the silence so loud
Crack of dawn, all is gone except the will to be
Now the will see what will be, blinded eyes to see

For whom the bell tolls
Time marches on
For whom the bell tolls

Metallica

152º

segunda-feira, janeiro 09, 2006

151º

Melancolia

Espero.
Uma, duas horas.
Chega! Mais não posso.
Vou-me embora.
Sozinha...
Ao contrário do que possas pensar, não estou cansada dos teus intervalos entre mim e as outras (ou entre ti).
Sou tão boa para mim quanto posso e me apetece.
Para nós houve em tempos um lugar único.
Houve uma ilha, uma praia grande e um planalto.
Havia um espaço de dois. Agora...
Existe apenas um.
Um corpo frio, uma porta fechada, um quarto sem luz.
Há dias de sombra.

sexta-feira, janeiro 06, 2006

150º



















Fotografia de Joel-Peter Witkin

149º

Doce. Sumarenta. Má.
Rainha do inferno,
azia que não sana...

Kalighat é o lugar certo.

Estaremos lá.
Punhos abertos, sangue solto.
Kali, deusa má.

Kalighat é O lugar.

148º

147º

Amanhã vai chover.
E tu vais buscar-me à saída das aulas.
Vou correr para os teus braços e aninhar-me neles. Vou mostrar-te que sou uma miúda deliciosa e cheia de novidades. Depois, meu lobo, vou segurar-te as garras no meio de nós e impedir-te de ser rápido.
Impedir que me desfaças depressa demais.
Será então que percebes o que te agradeço. Agradeço que me rasgues por dentro desde que me olhes nos olhos.
Podes atar-me e fazer-me tua sem eu poder recusar.
Não poderia impedir uma vontade tua... Oh lobo!
Depois das 22h30, deixas-me nas escadas.
Sentada e tonta. Quieta por ti.
Amo-te assim... Lobo.

quinta-feira, janeiro 05, 2006

146º

145º

Tempero

Eu, como sabem, não falo de amor.
O que falo é diferente do que sinto, do que escrevo, do que amo.
O que falaria eu da verdade? Sabe bem provar uma mentira.
Servi-la fria, nata gelada.
Sabe bem quando junto na boca chocolate morno.
A vingança, para mim, é inútil. Não seria bom concluir assim tão depressa um ódio que se estima.
Será louco, deleite... Gostar de ti... Fazer-te sorrir quando sofres.
Fazer-te saber que te amo a sofrer.
Dor. Muita dor ansiosa...
O tempo, como sabem, cura como o álcool.
Porquê ácido sulfúrico?
Há sal e limão que chegue.

144º

















Em: Ian Kenny Galleries

143º

Hoje apetece-me ouvir...

Girl, You'll Be a Woman Soon

I love you so much, can't count all the ways
I'd die for you girl, and all they can say is
"He's not your kind"
They never get tired of puttin' me down
And I never know when I come around
What I'm gonna find
Don't let them make up your mind
Don't you know

Girl, you'll be a woman soon
Please come take my hand
Girl, you'll be a woman soon
Soon you'll need a man

I've been misunderstood for all of my life
But what they're sayin', girl, just cuts like a knife
"The boy's no good"
Well, I finally found what I've been looking for
But if they get the chance, they'll end it for sure
Sure they would
Baby, I've done all I could
Now it's up to you

Girl, you'll be a woman soon
Please come take my hand
Girl, you'll be a woman soon
Soon you'll need a man

Girl, you'll be a woman soon
Please come take my hand
Girl, you'll be a woman soon
Soon, but soon you'll need a man

Urge Overkill

142º



















Em: Jeff Davis Photography

141º

Buenas!

E agora meus caros... Hip Hip Urra!
Ai ai... passagem bem passada foi sim senhora! Nada em falta.
Tudo à grande como eu tanto gosto nestas ocasiões :)
Na verdade já quase que sinto saudades...
Agora é tempo de marrar com eles nos livros, e... bem, tenho que perder uma certa proeminência no abdómen!
Entretanto, senhores e senhores, portugueses e portuguesas, estrangeiros e estrangeiras, etc... Aviso aqui que regressarei à postagem, talvez não com a assiduidade desejada, mas farei o que puder!

Muchas Gracias. Muchos Besos y abraços!

Hasta siempre.