(...) da ashfixia à serotonina

quinta-feira, novembro 10, 2005

90º

PARTE VIII

Ouço passitos mansos e pressinto um vulto leve. Uma criança-mulher de alma pesada. Consigo sorver o medo no ar...
Deixo-me ficar em posição de ataque.
Não baixarei a guarda!

Há suspense.
Sons de passos e vento nas frestas.
O vale é um cerco apertado que ameaça as casas.
Um dia tempestuoso e o grito que é asfixiado na garganta.

Maria Lúcia caminha para mim e olha-me com o terror de quem não pode fugir.
Ordeno-lhe que venha até mim de olhos fixos. Que o seu olhar tente lutar ao sentir a derrota iminente.
Ela chega a mim com uma lágrima presa num olho.
Esbofeteio as suas faces pálidas.
Não ripostou.
Agarro-lhe os cabelos com força e aperto-lhe o queixo.
Obrigo-a a manter o olhar, a querer chorar e a não puder.
Aperto a carne tenra nas minhas mãos e revivo nela a lascívia que vivi em segredo.
Percebo que ela limita-se a obedecer-me pelo medo.
A ele, respeita e ama. Desfruta do amor rápido e proibido que é verdadeiro.
Com ele, vive o amor na carne e na alma. A plena mas secreta comunhão de amantes.
Irrita-me muito saber o amor que os une. Saber que os odeio e continuo a amar. A ele e a ela!
Castigo-a por isso e ao castigá-la estou também a magoar-me. A sentir uma dor imensa que são duas.

Talvez fosse melhor encontrar um fim.