363º
Pelas dóceis inconsequências
Não apetece deixar estar
guardar, estimar consigo
para lá do Outono cai o efémero rosto
da lua em desmaio
Não se podem tocar os dedos
entrelaçar, sorver no pernoite
as cálidas feridas do sol fugido
e o deserto em eco
Há a evasão que descobre
o lento amor das planícies
o suave aroma do lençol de água
o passo ritmado dos amantes esquecidos
e há as horas que não passam
que para ti morrem sempre aos olhos profundos
que para mim se esquecem de correr
e esvaímo-nos em música
no que há de improviso pela estrada
ou a bruma nos cala e despede
a cadeia de doces imprevisíveis escapes
Há o rosto que se cala a tempo de saber
ou o desconhecido que ri mais alto, mais longe
que do futuro e a crueldade
que do nó fresco e principiante
para além da virgem morta ainda em esboço.
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MANOBRAS DE OUTONO
Não digo: isso foi ontem. Com insignificantes
trocos de Verão nos bolsos, estamos de novo deitados
sobre o joio do sarcasmo, nas manobras de Outono do tempo.
E a nós não nos é dada, como aos pássaros,
a retirada para o sul. À noite passam por nós
traineiras e gôndolas, e por vezes
atinge-me um estilhaço de mármore impregnado de sonho,
onde a beleza me torna vulnerável, nos olhos.
Leio nos jornais muitas notícias - do frio
e suas consequências, de imprudentes e mortos,
de exilados, assassinos e miríades
de blocos de gelo, mas pouca coisa que me dê prazer.
E por que havia de dar? Ao pedinte que vem ao meio-dia
fecho-lhe a porta na cara, porque há paz
e podemos evitar essas cenas, mas não
o triste cair das folhas à chuva.
Vamos viajar! Debaixo de ciprestes
ou de palmeiras ou nos laranjais, vamos
contemplar a preços reduzidos
inigualáveis pores-do-sol. Vamos esquecer
as cartas ao dia de ontem, não respondidas!
O tempo faz milagres. Mas se chegar quando não convém,
com o bater da culpa - não estamos em casa.
Na cave do coração, desperto, encontro-me de novo
sobre o joio do sarcasmo, nas manobras de Outono do tempo.
Ingeborg Bachmann
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