(...) da ashfixia à serotonina

quinta-feira, fevereiro 23, 2006

211º

A Tela vai nua

Há vozes antigas no pátio. Conseguem ouvir?

Guardam-se princesas para festas e vestidos de ocasião.
O pó foi limpo dos candelabros, desembaciaram-se os cristais.
Três princesinhas de veludo e prata fina fazem vénia.
Passam cavaleiros possantes, formas armadas de altivez e poderio.
Guardam-se recados alheios, escondem-se segredos nos espartilhos.
Há três princesinhas aflitas de esperar...
Três desejos urgentes: frio, fome e sede.
O mundo das meninas treme. Pede-lhes aconchego.
O mundo palaciano mas gélido que não acolhe fraquezas.
Há espaço pleno para requintes bélicos e damas de enfeite.
Não há cama feita para vazar o amor.
As princesas são acessórias num quadro preenchido por machos guerreiros.

Consegues absorver a vida na tela?

Se consegues ver, ouvir, provar... Se consegues tactear os medos de outrora, então conseguirás olhar o mundo que é teu pelo prisma dos fracos.
Podes sentir o abandono à nascença e perceber que o lugar que te foi oferecido nunca esteve vago.
Não provas a fome, a sede ou o frio.
Deram-te um mundo feito para dois e tu és um.
O que ficou para os que esperam?
Nada podem, nada terão.
Jamais!

Consegues ouvir o presente camuflado por detrás do presente ?
Consegues encontrar o corpo da fome, da sede e do frio?
Se sim, congratula-te.
Logras de olhos nus, sem mancha.
Podes dizer-te dono de metade do mundo que é teu.
Podes abrir mão de metade e cobrir os corpos da fome, da sede e do frio.
Consegues fazer a cama perfeita para vazar o amor.
Congratula-te e partilha: cobre de amor os apertos.
Mata os anseios e respira fundo, profundo...

Consegues sorver a plenitude?