230º
Mãos de masmorra
Soou o pingo no vidro da telha, ouviu-se um riso de fada tilintante.
O mundo estava de luz apagada, de cabeça coberta e corpo encolhido.
Sentia-lo quieto a respirar muito lentamente, cadensioso.
Sentia-lo vibrante à beira da morte, à espera do ponto final no fim da frase.
Era um cacto que te abraçava? Que te comia o ninho?
Ele, pingo triste de gelo, ia mais tarde ou mais cedo derreter.
Tropeçar em ti e desfazer-se em mil cacos, mil vidas omissas pela morte.
Soou mais longe, mais perto do que nunca do horizonte, um riso.
Estridente, tremendo gargalhar...
O mundo estava então à luz da vela, mesa posta, vinho envenenado.
- O que queres?
- Um copo de sangue teu.
- Espera um momento.
Não ouvimos nada.
Nem o suspiro, nem o som seco do esgar suicida.
- Está bom, o teu sumo tão vivo...
- Boa morte, meu amor...
A fada, o sol vivo que mataste!
Lá fora, no céu de primavera há restos rubros do pôr-do-sol...
Deu-se o beijo, gole a gole, incessante.
- Olha, digo-te apenas que estarei sempre encarcerado nos teus dentes, na tua morte e vida em festa!
- Encarcerado mas, cheio de amor.
- Afaga-me agora... Faz-me sentir as tuas mãos de masmorra.
Faz-me sentir vida nos dedos, na gangrena...
Soou a sirene de aviso, à porta solene, o riso da vertigem.
Um Olá a ti... Pelo amor na discórdia.
2 Comments:
obrigado, já estou melhor...
Perfeita:
"Era um cacto que te abraçava? Que te comia o ninho?"
:)
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