(...) da ashfixia à serotonina

quarta-feira, janeiro 25, 2006

171º

Era uma vez um rosto.
Tinha olhos, nariz e boca.
Tinha expressão.
Neste rosto havia mais coisas.
Havia o substrato quieto, escondido.
Havia caras de reis passados, histórias de baús.

- Lembra-se agora?

Um tempo, um rasgo memorial...
Uma velha como o tempo, um rosto amarrotado.

- Lembro-me. Penso nela às escuras quando os meus olhos se estendem para lá dos telhados nus... Lembro-me de um dia em que ela me chamou "Menina!". Saltei três ou quatro degraus e ri-me de ignorância pura.

Um papel amarelo, uma velha suja.
Cabelos soltos, esvoaçantes...

- Mãe?

(Silêncio)

Para lá de um rosto quieto, imune, há um substrato profundo e velho.
Há um passado de interrogações e silêncios.

A velha cobria-te de medo.
Tu deixavas de ser tu, passavas ao papel.
O papel tinha olhos, nariz e boca.
O papel tinha rosto, tinha expressão.

(Silêncio)

- Tens papel?