(...) da ashfixia à serotonina

segunda-feira, março 20, 2006

237º

Menina dos escombros - Insomnia I

Menina de neve por detrás do muro chora.
Cai a gota de si mesma na calçada imunda dos escarros, dos abortos, das putas podres.
O mundo chama pela menina por detrás dela.
O olho cego, roto da pequena ferida lacerada.
O olho vivo na despótica mãe que lhe bate, que lhe espanca os músculos tensos, as coxas gastas pelos anos de estupro.
Menina perdida numa cave, escondida numa despensa de lixo.
O mundo diz-lhe que se cale, que se acabe às mãos do crime.
O olho está cego pela faca que é mão carniceira.
A menina jaz no que lhe resta do corpo arrombado.
Constrangida, emendada, anulada.
Corrompida, afogada no seu lago de lágrimas quentes.
Incinerada no ventre estéril da mãe puta.
O mundo olhou para ela uma vez.
Depois, o que aconteceu?
Depois o mundo disse-lhe adeus.
E a luz apagou-se para sempre na menina.
E o âmnio soltou-a numa negra jazida.