(...) da ashfixia à serotonina

quarta-feira, novembro 30, 2005

101º

"Blogues no feminino são diários que assumem um papel político"

"São actos políticos porque contam, partilham e reivindicam um determinado espaço", considerou Isabel Ventura .

"Poesia. Os blogues das mulheres são só poemas." Esta é a opinião manifestada por um homem a Isabel Ventura, mestranda em Estudos sobre Mulheres, quando realizava um inquérito sobre o que são blogues no feminino. Mas esses recentes diários virtuais "são muito mais do que poesia ou relatos do dia-a-dia", afirma ao DN Isabel Ventura.

Já a jornalista Carla Quevedo, autora do Bomba Inteligente, diz que as mulheres abordam qualquer assunto na blogosfera. "Falam literalmente de tricô, como Hilda Portela ou Rosa Pomar, ou dos filhos, como Vieira do Mar no Passeai, Flores! Falam da actualidade, de política, de sexo, de homens, de compras, de touradas, de animais, de economia, de futebol, do quotidiano, de moda, de cinema, de literatura. As diferenças no modo como observam os temas estão relacionadas com o que são como pessoas e não com o simples facto de serem mulheres", considera a jornalista.

Por outro lado, a autora do blogue Controversa Maresia sublinha que a falta de humor é um mal dos blogues em geral e dos masculinos em particular. "Os blogues masculinos são demasiado sérios porque os homens se levam demasiado a sério e não têm grande capacidade de gozar com as suas próprias misérias", refere Vieira do Mar.

Os assuntos de que falam as mulheres na blogosfera foram recentemente tema de discussão no ciclo Falar de Blogues, moderado por José Carlos Abrantes, na livraria Almedina, em Lisboa. A propósito do ciclo, Isabel Ventura analisou cinco blogues no feminino Uns & Outras, Síndrome de Estocolmo, Mulheres e Deusas, Com o Sotaque Francês e Blogotinha. "Exigem ou denunciam situações de igualdade ou desigualdade. São actos políticos porque contam, partilham e reivindicam um determinado espaço que assume uma identidade de género", explica. "Não se pode dizer que as mulheres têm um papel mais intimista na blogosfera do que os homens. Não há grandes distinções, mas sim motivações individuais. Usam os blogues como uma forma de assumir um papel político, ainda que inconsciente, ao adoptarem uma posição", indica. Para Isabel Ventura, no fundo "é uma forma de dar recados, de comunicar". O blogue é hoje um acesso "a um espaço público que, apesar de ser limitado, é ilimitado ao mesmo tempo. Além disso, é poder escrever para muito mais pessoas".

Presente na conferência, Carla Quevedo explicou o seu percurso. "Tudo começou por piada. Participava no Pastilhas, o site do Miguel Esteves Cardoso, quando, um dia, o Macguffin apresentou o seu blogue Contra a Corrente. Gostei muito da ideia e decidi experimentar." Para Carla Quevedo, o sexo de quem escreve não é relevante. "Nem penso nisso", diz. "Até porque é difícil saber. No dia em que publiquei no blogue uma curta gravação com a minha voz, recebi uma série de e-mails de leitores a desculparem-se por terem achado que eu era um homem. Não me lembro se terá sido a primeira vez que me insultaram, mas foi certamente a primeira em que me senti ofendida", confessa sorrindo.

Convidada também para o debate, Isabel Matos Ferreira, autora do blogue Miss Pearls, conta que a ideia de fazer um blogue partiu de um e-mail que recebeu com posts do Coluna Infame. "Gostamos que as pessoas saibam das nossas tontices e que nós assumimos essas tontices", afirma. Questionada sobre o que motiva as autoras dos blogues, responde com graça "A minha mãe fazia muito ponto cruz para se distrair. Como não tenho jeito para as delícias do lar, criei um blogue." Apesar de reconhecer que dá muito trabalho, diz que escreve por diversão. "Enquanto estou ali não penso em mais nada e se isso é um motivo, é o meu", graceja, ainda, Isabel.

Outra mulher que testemunhou a sua experiência foi Patrícia Antoniete, co-autora do brasileiro Megeras Magérrimas. A advogada conta que o blogue surgiu de uma "necessidade de emagrecer rapidamente". Mas o "vício" de blogar engordou tanto que Patrícia e Roberta, a outra autora, até fizeram um "pacto pré-nupcial". "Mesmo que nos 'divorciemos', o Megeras continua", garantiu. "Sou uma incontinente literária e quando achei um lugar onde podia escrever foi uma alegria. O meu acto político é mostrar que nós podemos ser diferentes", sublinha Patrícia.

MOURATO, Paula. - Blogues no feminino são diários que assumem um papel político. Diário de Notícias. (26 Nov. 05)

segunda-feira, novembro 28, 2005

99º

Ladaínha da Grande Queimada das Bruxas

Sapos e bruxas, mouchos e crujas,
demonhos, trasgos e dianhos,
spírtos das eneboadas beigas,
corvos, pegas e meigas,
feitiços das mezinheiras,
lume andante dos podres canhotos furados,
luzinha dos bichos andantes,
luz de mortos penantes, mau olhado, negra inveija,
ar de mortos, trevões e raios,
uivar de cão, piar de moucho,
pecadora língua de má mulher
casada cum home belho.
Vade retro, Satanás,
prás pedras cagadeiras!
Lume de cadávres ardentes,
mutilados corpos dos indecentes peidos de infernais cus.
Barriga inútil de mulher solteira,
miar de gatos que andam à janeira,
guedelha porca de cabra mal parida!
Com esta culher levantarei labaredas deste lume,
que se parece co do Inferno.
Fugirão daqui as bruxas,
por riba de silbaredos e por baixo de carbalhedos,
a cabalo na sua bassoira de gesta,
pra se juntarem nos campos de Gualdim.
pra se banharem na fonte do areal do Pereira...
Oubide! Oubide
os rugidos das que estão a arder nesta caldeira de lume.
E cando esta mistela baixe polas nossas gorjas,
ficaremos libres dos males e de todo o embruxamento.
Forças do ar, terra, mar e lume,
a vós requero esta chamada:
Se é verdade que tendes mais poder
que as humanas gentes,
fazei que os spírtos ausentes
dos amigos que andam fora
participem connosco desta queimada!

Concelho de Montalegre, Distrito de Vila Real

quinta-feira, novembro 24, 2005

98º

97º

Espuma que expele raiva
O devir que sei antecipado
Olho por olho...
Para lá de tudo sobrou quietude
Sobra um gesto suspenso, um beijo
Lábio teu que tornas meu
Amor...
Abraça-me
Há raiva lá fora.

terça-feira, novembro 22, 2005

96º

São três de uma vez com dor
São dedos sentidos e prazer
Três coisas que quero dizer
Ao ouvido, a ti.

sexta-feira, novembro 18, 2005

95º



Em: http://www.alice-in-wonderland.net

94º

Corte (...)
Cortei as frases e atei as palavras umas às outras.
Corto por gosto e não me canso de cortar.
Corto a mão ao verbo, os dedos aos substantivos.
E depois de cortar um pouco daqui e dali misturo pedaços de ideias.
Faço um batido e uma tosta para o lanche.
Depois vou deitar-me no sofá a pensar que não existo.

93º

O que sinto é apenas o que sinto e não mais...
Espero que um dia um fogo me leve a passear
Passear a pele, alegrar a vista em tom de labareda.
Espero já saber contar o que senti.
Fui eu.

92º















Salvador Dalí
O olho (1945). Óleo sobre madeira.
Dimensões desconhecidas. Colecção particular.

91º

PARTE IX

É dia 23 de Setembro.

Acolhi-te na minha casa e nos meus braços.
Tu deste-te a mim sem que eu primeiramente to tenha pedido.
Foi unânime, foi puro e verdadeiro...
Ou estarei agora a aperceber-me de que o meu veneno fraquejou?
Fui serpente e mãe adoptiva.
Agora restam os vermes.
Ele não sabe ainda o que lhe farei...
Mas a ela, Maria Lúcia, darei a beber sangue e suor.
Farei com que sinta a dor que provocou.
...

Ponto final.

quinta-feira, novembro 10, 2005

90º

PARTE VIII

Ouço passitos mansos e pressinto um vulto leve. Uma criança-mulher de alma pesada. Consigo sorver o medo no ar...
Deixo-me ficar em posição de ataque.
Não baixarei a guarda!

Há suspense.
Sons de passos e vento nas frestas.
O vale é um cerco apertado que ameaça as casas.
Um dia tempestuoso e o grito que é asfixiado na garganta.

Maria Lúcia caminha para mim e olha-me com o terror de quem não pode fugir.
Ordeno-lhe que venha até mim de olhos fixos. Que o seu olhar tente lutar ao sentir a derrota iminente.
Ela chega a mim com uma lágrima presa num olho.
Esbofeteio as suas faces pálidas.
Não ripostou.
Agarro-lhe os cabelos com força e aperto-lhe o queixo.
Obrigo-a a manter o olhar, a querer chorar e a não puder.
Aperto a carne tenra nas minhas mãos e revivo nela a lascívia que vivi em segredo.
Percebo que ela limita-se a obedecer-me pelo medo.
A ele, respeita e ama. Desfruta do amor rápido e proibido que é verdadeiro.
Com ele, vive o amor na carne e na alma. A plena mas secreta comunhão de amantes.
Irrita-me muito saber o amor que os une. Saber que os odeio e continuo a amar. A ele e a ela!
Castigo-a por isso e ao castigá-la estou também a magoar-me. A sentir uma dor imensa que são duas.

Talvez fosse melhor encontrar um fim.

quarta-feira, novembro 09, 2005

89º

PARTE VII

Maria Lúcia sobe ao sótão. Lá em cima espera-a a patroa.
De mão fincada no puxador, aguarda um vislumbre da criadita.
É só tocar o penúltimo degrau...

Ana Maria é uma mulher versátil mas severa.
Dentro de si existem forças que a vencem em intensidade, tamanho e forma.
Habituada a tolerar e a aguardar com paciência, Ana Maria excede os seus limites quando se sente enganada.

Noite após noite, a solidão atravessou o coração do lar despedaçado. A casa que teve vida. O lar que se construiu com perseverança... Longe está uma casa de brio.
Uma memória que guarda sentimentos nobres.

terça-feira, novembro 08, 2005

88º

PARTE VI

Encontram-se quase todos na sala oval.
A mesa está posta para sete pessoas. No entanto, comparecem apenas seis elementos.
É Ana Maria que falta ao almoço.
Há muito que a dona da casa deixou de comparecer às refeições familiares.
Correm boatos de traição.
Diz-se que Ana Maria não vê nunca Carlos Alberto. Diz-se que o amo se regala com as criadas...
Porém, o que poucos sabem, será em breve revelado.

87º

PARTE V

Na copa, Maria Lúcia vigia o lume.
Sabe-lhe bem o calor do fogão, confere-lhe um certo sentimento de segurança.
Hoje é dia de peito de pato com nozes, mel e alecrim Tornedó com fígado de pato e risotto de açafrão.
Um tenro aroma invade a casa. Espera-se ansiosamente uma bela mesa coberta de óptimas iguarias.

No topo da casa, aconchego o meu corpo numa manta de lã quente.
O meu rosto está gasto e velho. Os anos deixaram marcas na minha pele.
Não possuo já o elixir da juventude...
Que saudades tenho de tocar-me e sentir seda, veludo e cetim.
Gostava de quando a minha pele era tenra e leitosa.

sábado, novembro 05, 2005

86º

PARTE IV

É de manhã.
Maria Lúcia tem que despachar-se e descer à cozinha.
Afinal, a noite passou-se em solidão.

Noutro lugar, a dona da casa desmascara um funcionário dos correios.
Mais um disfarce, mais uma história obscura que se desenvolve.

85º

PARTE III

Trrrriiiiiiim! A porta!
É o correio que lá vem.
Aproximam-se passos fortes e decididos, ouve-se um assobio afinado e alegre.
Toc Toc Toc! A porta!
Apresso-me a embrulhar o meu corpo húmido numa toalha.

Convido-o a entrar e a esperar por mim na sala enquanto visto um roupão.

quinta-feira, novembro 03, 2005

84º

PARTE II

Maria não sabia que era espiada. Ela conhecia as entradas repentinas de Carlos, as invasões à bruta que ele fazia quando a visitava no sótão.

Esta era apenas mais uma noite.

Despia a farda gasta e lavava-se como podia. Gostava de olhar o seu corpo num velho espelho rachado. Perceber as curvas esbeltas e a pele jovem, tom de marfim. O luar por entre as persianas dançando sobre ela!
Maria Lúcia tinha formas bonitas.
Todo o seu corpo desabrochava vividamente. Toda ela adolescia!
Tinha uns pés pequenos e delicados, pernas esbeltas e bronzeadas, nádegas carnudas de tom róseo.
O ventre desenhava uma pequena curva sob o umbigo. Os seios, surgiam ainda pequeninos, mas muito bem delineados. Seios redondos, mamilos doces, dois belos pêssegos macios.

quarta-feira, novembro 02, 2005

83º

PARTE I

Certo dia, hora incerta, Maria Lúcia corria as persianas.
Caíra a noite no Vale Das Cegonhas e a humilde criadita continuava à espera.

Maria Lúcia era apenas uma jovem criada e por isso, pouco mais sabia fazer para além das tarefas que lhe incumbiam.
Tornara-se criada numa casa de nobre família devido à miséria que se abatia sobre a casa de seus pais e irmãos. Maria Lúcia (Marilu para os amigos), gostara desde sempre da vida do campo e, muito embora não tenha aprendido a ler, Marilu ia à igreja todos os domingos de manhã ouvir os sermões do Padre Graça.

Marilu esperava num nervoso miudinho a chegada de seu amo.
Desde há um tempo atrás que Carlos Alberto espiava Maria Lúcia nos seus aposentos, quando à noite, ela despia a sua farda e lavava o seu corpo numa velha bacia.