(...) da ashfixia à serotonina

sábado, julho 22, 2006

341º

AVISO

Este blog entra oficialmente de férias no dia de hoje.
Segundo as previsões da respectiva autora novos posts deverão surgir a partir do dia 12 de Agosto.

Cumprimentos aos leitores e amigos que por cá vão passando,

Raquel Antunes

domingo, julho 16, 2006

340º

Akif Hakan

339º

Adoçante do cair do Sol

Chávena mergulhada
falência triste do café
amor na pastelaria delicada do leito

A gula preguiçosa
que retira ao lençol de nata tímida

A cascata dos braços
ornamento da esteira

Longitude que dorme
língua de areia a amar um néctar
um deus de canela

[14 Julho 06]

338º

Béla Borsodi

337º

Magia esta!
Doce aparecer dos insectos
na luz verde.
Doce canção
a do hálito dos anjos.

Magia a galope!
Rápido passar das montanhas
nos olhos marejados.
Corrida semeada
nas pedras palpitantes.

Magia pintada
num pacote de açúcar.

[14 Julho 06 Chiado]

336º

Paul Klee

335º

Passo Dois

Numa janela da cidade escrevo-te
da minha utopia melancólica.
Ainda que longe anseio
fazer parte do teu lento não ser
da tua queda no feliz amparo do leite,
grito de chegada.

(Não te odeio
Não te amo)

Neutro é o passo largo vago
distendido do corpo
Figura desnivelada!

Numa janela da cidade uivo-te
arrependida de um rapto que não se fez.
Queimam-se as ervas do teu alterego faminto.

(Sacrifica-o
Perdoa-o ao gume da faca
Petrifica-o nas escamas do imbecil...)

O odor a ânimo leve corrompe-te
o faro de besta
de animal parido em conserva.

Numa janela da cidade pinta
um pássaro distraído a cor do fim;
O arco-íris dos telhados.

[14/07/06, 7 pm Chiado]

334º

Misha Gordin

333º

O Entre Passo

Mudas, as paredes do estômago
Cala-se a chuva lá fora
Gota a gota no ventre,
parapeito do corpo.

Embalam-se as cordas,
notas soltas a chorar no sótão da minha alma.

E os gatos em acasalamento na fuga do nascer partido,
aborto que vê na cidade das cinzas.

Surdos arpejos no nó da garganta
De asa em asa, melodias incompletas.

[12-07-06 Graça, Lx]

quarta-feira, julho 12, 2006

332º

Michał Karcz

331º

Passo Um

Minha folha em branco
Permite-me escrever-te, pintar em ti na carne o meu amor.
Esta é uma noite de veludo
Baloiçamo-nos nas estrelas, no céu liso ponteado de cristais.
Pinto-me. Sou a tua tela.
Todas as caras não são a tua, todos os risos são ásperos, impróprios.
(As rezas são impropérios)
Pára-o. Ao tempo
Mata-o em nós, para nós.
Não é possível iludir-te (por querer tanto)
Sou escrava do teu sangue mas tu, mestre divinizado, és também escravo das minhas mãos.
(Tenho uma linha que te pertence)
Estás para sempre vincado no meu peito em chamas.
Ao longe o nome do mar dança. As marés arrastam feridas abertas.
Uma praia sozinha
Como nós nas loucas asas do vento.

11-07-06, Via Roma, Lisboa

terça-feira, julho 11, 2006

330º

Sylvie Blum

329º

Com unhas e dentes

Dor que sai do peito e viaja de dentro para fora, para lá das esferas da carne e do puro genital.
Viagem da ponta dos dedos aos túneis que partem por nós e nos entopem as veias.
Se formos simbióticos hoje e nos matarmos em pedaços amanhã?
Se matarmos connosco o antes e o depois, os muros e as arestas que limam a erupção repentina.
Transborda-se.
Sai de ti, de mim e escorre para lá do rio, da vida e do quotidiano.
Corta-nos as fontes e faz-nos procurar o extintor para a temível (inevitável) castração.
(E regas as feridas com álcool)
Faz sentido arrastar a carcaça gasta para lá dos escombros de pele amarrotada?
Faz (porque sente) continuar a dor boa, que se guarda, que se prende a enfeitar o corpo.
E haverá espaço para dançar à lua inteira (apenas) porque nos fundimos?
Colocas-me entre parêntesis frequentemente.
E não há nada a esperar, nada a prever...
Brinda-me na pele o teu toque de bicho inquieto.
Se não tenho amanhã porque me vou esconder entre os poros?
Ser um transeunte nos intervalos de nós, no prazer inacabado de uma crescente simbiose ritual.

segunda-feira, julho 10, 2006

328º

Markus Klinko

327º

Nimbo em vertigem

Da pele cai a pétala escura,
cai-te na esquina dos passos ténues.
A macieza apaziguadora do sono chega.
Uma mortalha embebida em mel e leite de coco.
Oferendas leves que lhe trazem, rainha dos pomares.
Uma festa em flor e neve.
Cai-te para o colo cheio a doce música do algodão.
Da pele voam borboletas escuras.
E o vento traz ameaças...
Para lá da próxima nuvem nasce um céu eléctrico.
A trovoada das madrastas.
As águas correm em ti, pele adentro, no íntimo da carne que nasce rosada.
E as harpas choram pelo dedilhar dos anjos desnudos.
Virá o manto de gelo caiar um rosto de rainha em pedra.
Para lá das estátuas, das catedrais e das friezas esculpidas a ferro...
E o leite brota do seio das árvores.
Mesmo no centro do bosque está um cisne só num lago eterno.
Paira a neblina que te veste a alma de amor fendido.
Da pele cai a gota de orvalho.
E esqueceu-te a pétala na esquina dos passos ténues.
O nimbo chega então.
Fica e instala-se embutido no peito.
Para além das hóstias, trava-se a vida na voz do leito aquático.

326º

Guy Bourdin

325º

Os bons dias

Acordar-te o sorriso por entre lágrimas soltas.
Esperar-te à porta a blindar-me para as tuas tempestades...
Há tanto de ti que não é meu.
Os bons dias sacodem-nos inesperadamente quando rebentam.
E se soubesses o que eu sou quando não estou a guardar-te!
Voo para além da ruela em que habitas...
Para lá do lençol manchado pelas tuas tristes putas.
E sou nova num dia esplêndido!
As montras pertencem-me meu querido.
Deixo a palma da tua mão dura.
Parto para um mundo tão rosa e azul claro quanto possível.
Porque não fugir-te e dar os bons dias à menina pequena que sou?!
Beijo-me como tu nunca soubeste fazer e sinto-me febril.
Não queres que dê os bons dias ao Sol porque sabes que sou sempre minha.
E não volto meu querido.
Para já tenho o gozo de um bom dia.
Não te importes.
Afinal sempre podes afogar-te nas saias de cada puta das tuas mãos.

domingo, julho 09, 2006

324º

Jochen Brennecke

323º

O agradável réprobo

Partiu-se o mar dentro de nós.
Caiu-nos a fuga nos dedos.
Então, saimos pela alvorada, mãos dadas a escorregar no pânico.
Vieram ruas compridas e estreitas empurrar cada passo no infinito.
Os cães danarem-se pelas feridas a fundo.
E pés que não chegam!
Caiadas na miragem desértica as tuas dunas.
Inesperado ventre em brasa que se fecha sobre as mãos dadas.
Mãos raptadas para fugir, dadas de angústia.
E o amor que não pára de cantar!
Inseminado na vertigem cálida de ferida em fuga.
E não espera.
Não espera para terminar num cais qualquer.
É um início e não precisa de esperar.
Porque depois não há fim. Não se trava.
Para já basta empurrar o baloiço com ainda mais força.

322º

Tim Walker

321º

A matança da sala de estar

Estar, soltar a vida nas horas intransigentes.
Ver, rasgar os tempos que correm no meio de nós.
Somos carne de vidro que resta por aí.
Espreitam-se amanheceres no abrigo alheio.
Nesgas de vidas melómanas, a atrocidade instalada.
Estar implica cair num sofá, partilhar um ecrã que nos bebe os olhos e nos cala a pele.
Cala-nos a energúmenidade duma estupidificação consentida.
Estar para ficar é como não ver.
Pois somos vidros que quebram e se perdem num nada gigante e tremendo.
Pois estamos mudos atados aos sóis dos abrigos alheios.
E porque ficar?
Já não são precisas raízes para parar o medo.
Os fantasmas de amanhã também são os amigos.

sexta-feira, julho 07, 2006

320º

Yaki Yaskvloski

319º

Menina da minha cabeceira,
canto-te as lágrimas no rosto,
desfazem-se os amores ao vento.
Por ti, menina das sombras,
canto-te a calma na morte,
apagam-se os olhos no horizonte.
E não há volta...
Perguntas, menina tão só,
o que secou uma fonte tão pura?
Quem sabe, menina tão má,
talvez a mancha de amor, o nó da amargura.
E não há volta para ti...
Menina tão só que não quebra no vento,
na morte e nas sombras.
Apaga-se o deus, a mãe e o abraço.
Sai de ti para fora, menina má, o Inverno.
Coube-lhe na palma da mão,
o pó de uma vida inteira.