(...) da ashfixia à serotonina

segunda-feira, fevereiro 27, 2006

216º

Elena

215º

O que há dentro de mim agora?
Há vento, areia e vastidão. Vastidão?
Sim, sinto-me vasta. Sinto que me dilato para lá das minhas fronteiras físicas e emocionais.
Deixo a razão de parte, talvez no bengaleiro do hall de entrada.
Vou calçar as botas, vestir o meu trench coat de estimação e sair porta fora.
Se a chuva cair?
Não me importo. Vou gostar de sentir o sal das lágrimas misturar-se com os pingos grossos e pesados da chuva.
Se vier o Sol?
Então, se vier o Sol deixarei que ele seque cada vestígio de choro...
Afinal, o que me importa?
Hoje nada me importa. E aviso sem falsas cordialidades: se vieres estarei ocupada a embrenhar-me na vastidão triste que abraça o meu dia.
Amanhã, se estiver sol cá dentro, talvez dê um passeio à beira mar.

quinta-feira, fevereiro 23, 2006

214º

Erzsébet

213º

Pele tua, retalho a retalho

Se cais, gota a gota,
se te avizinhas mansa, devagar.
Se sobras, um ou dois recados,
se te ficas somente lenta, por contar.
Eis uma e outra visão tua, retalhada.
No chão espalhada às peças, feita e por fazer.
Caídas e lá estagnadas, peças de ti,
peles soltas, deixadas à deriva.
Deriva o puzzle desconstruído de pele.
Se ficas, peça a peça,
se te sentes nascida, desordeira.
Deriva o teu caos da construção,
da peça e da pele feitas puzzle.
Se sobras aos cantos, às esquinas,
se cais no chão, por completar.

212º

Aldo Zanetti

211º

A Tela vai nua

Há vozes antigas no pátio. Conseguem ouvir?

Guardam-se princesas para festas e vestidos de ocasião.
O pó foi limpo dos candelabros, desembaciaram-se os cristais.
Três princesinhas de veludo e prata fina fazem vénia.
Passam cavaleiros possantes, formas armadas de altivez e poderio.
Guardam-se recados alheios, escondem-se segredos nos espartilhos.
Há três princesinhas aflitas de esperar...
Três desejos urgentes: frio, fome e sede.
O mundo das meninas treme. Pede-lhes aconchego.
O mundo palaciano mas gélido que não acolhe fraquezas.
Há espaço pleno para requintes bélicos e damas de enfeite.
Não há cama feita para vazar o amor.
As princesas são acessórias num quadro preenchido por machos guerreiros.

Consegues absorver a vida na tela?

Se consegues ver, ouvir, provar... Se consegues tactear os medos de outrora, então conseguirás olhar o mundo que é teu pelo prisma dos fracos.
Podes sentir o abandono à nascença e perceber que o lugar que te foi oferecido nunca esteve vago.
Não provas a fome, a sede ou o frio.
Deram-te um mundo feito para dois e tu és um.
O que ficou para os que esperam?
Nada podem, nada terão.
Jamais!

Consegues ouvir o presente camuflado por detrás do presente ?
Consegues encontrar o corpo da fome, da sede e do frio?
Se sim, congratula-te.
Logras de olhos nus, sem mancha.
Podes dizer-te dono de metade do mundo que é teu.
Podes abrir mão de metade e cobrir os corpos da fome, da sede e do frio.
Consegues fazer a cama perfeita para vazar o amor.
Congratula-te e partilha: cobre de amor os apertos.
Mata os anseios e respira fundo, profundo...

Consegues sorver a plenitude?

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

210º

Ernesto Timor














Matthew G. Hollis








Yvan Galvez

terça-feira, fevereiro 21, 2006

209º

Corpo de Baile

Há uma nesga de pele em cascata, na berma da porta.
Esconde-se um ser animado nos contornos da madeira.
O vulto que se envolve na neblina não consegue ver, ouvir ou tactear.
E segue, concentrado pela sonda que cheira e escolhe...
Segue o rasto móvel da bailarina.
A dança exprime-se em volúpia ao olfacto quente da fera.
A única fonte de calor...
Para lá das escamas andrajosas há um nariz bem posicionado.
E mandíbulas! Mandíbulas que ameaçam o ar plácido do baile.
A bailarina gira em torno de si própria e espalha o seu perfume na tela.
É um retrato que nasce às mãos do pintor e que deslumbra.
Apaixona-se o pai de olhos meigos e deleita-se a fera gelada.
É o odor aveludado e adolescente que aviva as mandíbulas e a perversão...
A menina não cresce para o pai mas sim para o verme.
Solta um perfume ardiloso e despe-se para o olfacto assassino.
Ela não sabe de nada. Ela dança horas a fio em pés de inocência.
Ela não sabe de nada mas é surpresa.
(Há um recanto na menina que aguarda o monstro.)

- Shiu!

Uma parte dela grita em criança.
Outra parte dela dança já crescida.

Ela não sabia o que esperava mas sentia o corpo ameaçar.
Pressentiria o despontar de um sexo desperto?
Toca o despertador na mesinha de cabeceira.
Ouvem-se buzinas lá fora e também sirenes e travões.
Cheira a sangue e fogo na cidade.

- Pai?

O pai não está mas a menina sabe que não precisa dele.
Ela tem companhia e não conta a ninguém.
No espelho do quarto vê-se um desenho curvilíneo.
Reflecte-se uma mulher suave e cristalina.
Do outro lado, a quietude palpitante dos minutos percebe-se no olfacto incessante.
O faro guia o monstro para a dança.

O baile está prestes a começar.

quarta-feira, fevereiro 15, 2006

208º

Sobre o post anterior:

O texto da minha autoria que será interpretado no concerto-teatro Branco e Vermelho por Alexandra Bernardo e Alberto Augusto Miranda é o Odiu (166º post).

Quem quiser aparecer será com certeza bem-vindo.

207º

concerto-teatro



















Branco e Vermelho é o novo concerto-teatro interpretado por Alexandra Bernardo e Alberto Augusto Miranda, é apresentado dias 20 e 21 de Fevereiro, às 21h30m na Sociedade Guilherme Cossoul em Lisboa.O título Branco e Vermelho é retirado do poema de Camilo Pessanha. Além deste poeta, perpassarão neste concerto, outras vozes como Miriam Reyes, Virginia Woolf, Gomes Leal, Raquel Antunes. Toda a informação (com audio e um pequeno video) aqui:

Poema Eidos de Uxío Novoneira cantado por Alexandra Bernardo

Informações: 965817337

206º

Nó dos Tempos

A sanidade açoita as entranhas aos povos,
rege sobre a criação divina e o desnatural.
A razão tece as teias da má sorte ao Homens,
acaba com a vida ante terra.
Somos gente, somos animais de que raça?
Somos espécie de topo nas cadeias conhecidas,
talvez mesmo naquelas por descobrir.
Acabamos nas nossas mãos,
nas linhas traçadas por carne humana.
Pergunto as vezes que forem necessárias:
De que néctar nasce a razão?
Pondero e elaboro a hipótese:
Do lixo ético que um dia profanou a carne-mãe.
Era uma vez um incêndio intra útero.

205º

terça-feira, fevereiro 14, 2006

204º

Acto Longitudinal

Foto-relata o céu cinza.
Tens um dia mais tarde vingança a cobrir-te.
Pinta os dedos na lama das ruas que te absorvem.
Olhamos a humanidade de janelas embaciadas de fumo, de frio.
À nossa volta há raiva e falsa ternura às camadas.
Há risos que morrem nos olhos e se calam no cimento.
Foto-relata o rosto também cinza.
Ouvimos contar universos desconhecidos nas bocas dos anciões.
Nunca nos contarão unicamente porque cegaram.
E nós pensamos:
Porque são brancos e abertos os seus olhos?
O que viram todos que não contarão?
O que calou um dia a voz da dor em cada ancião?
São figuras eternas como a pedra.
Estão inscritas no meio de nós e circulam sempre de sobreaviso.
Roem ameaças às escuras...
Foto-relata o plasma das espécies extintas.

203º

xxl

202º

Arrrrg! Que nervos, que angústia...
É tão mau estar-se numa incógnita por esperar interminavelmente.
Envia-me um sinal, qualquer coisa que valha para dizer "Hey! Estou aqui! Don't worry...".
Basta que te mantenhas contactável.
Normalmente não me preocupo. Limito-me a acenar com a cabeça e tu respondes com um gesto ainda mais absurdo. Mas hoje não estás e assim percebo o que me importa.
Compreendo a ridícula significância desta comunicação tão nossa.
Isto não é um diário nem algo que se lhe pareça...
Vou esperar como conseguir.
Vou ligar a televisão e fazer zapping, vou pôr e tirar cd's da aparelhagem, vou andar de um lado para o outro, etc.
Digna-te pelo menos a... Sei lá! Responde-me!
Apenas isso.

201º

Julie Cuccia-Watts

200º


199º

Imagem de
Lészai István

{O engano é uma hipótese séria de construir um tempo lindo e absolutamente novo}

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

198º

Conchas Perdidas

Esconde-te por detrás do pano liso e claro.
Oculta o que puderes de um corpo jovem mas bem delimitado.
É um desenho atroz o que me rasga e se estende...
A visão apoquenta os mais bravos e tinge o céu de vermelho vivo.
Aqui houve um espaço vivo de cor clara...
Houve ternura pintada nas portas.
Esconde-te definitivamente mas, escolhe um lugar nu e livre.

Haverá hoje um espaço de ninguém?

197º

Think about this...

http://www.themeatrix.com/portuguese/

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

196º















eviltwin

195º

Hoje apetece-me ouvir...

Malandragem

Quem sabe eu ainda sou uma garotinha
Esperando o ônibus da escola sozinha
Cansada com minhas meias três quartos
Rezando baixo pelos cantos
Por ser uma menina má
Quem sabe o príncipe virou um chato
Que vive dando no meu saco
Quem sabe a vida é não sonhar

Eu só peço a Deus
Um pouco de malandragem
Pois sou criança e não conheço a verdade
Eu sou poeta e não aprendi a amar
Eu sou poeta e não aprendi a amar

Bobeira é não viver a realidade
E eu ainda tenho uma tarde inteira
Eu ando nas ruas, eu troco um cheque
Mudo uma planta de lugar
Dirijo o meu carro
Tomo o meu pileque
E ainda tenho tempo pra cantar

Eu só peço a Deus
Um pouco de malandragem
Pois sou criança e não conheço a verdade
Eu sou poeta e não aprendi a amar
Eu sou poeta e não aprendi a amar

Dirijo o meu carro
Tomo o meu pileque
E ainda tenho tempo pra cantar

Eu só peço a Deus
Um pouco de malandragem
Pois sou criança e não conheço a verdade
Eu sou poeta e não aprendi a amar
Eu sou poeta e não aprendi a amar

Cássia Eller

194º




















phil h

193º

Sinopse de um instinto familiar

Desejas-me ou queres usufruir-me por vingança?
Olhas para ti e lembras-te de cenários que nunca viveste... Decides vingar-te fazendo-te irromper em mim. Decides calar as tuas vozes num segredo platónico.

- Estás aí?
- Estou...
- Não parece!
- Eu sei...
- Já te vais?!
- Tem que ser... Percebes?
- Percebo. Mas...

Em ti estão partes submersas de mim imaginada.
É imprevisível acabar onde se desponta o sonho. É inevitável quebrar as vértebras de um medo antigo e prosseguir...
Mas, temos que prosseguir até onde não houve lugar, no nosso puzzle incompleto.

- O que é isto? Magoaste-te?
- Bem... Sim. Mas foi há muito tempo, muito antes de ti, de mim, de todas as coisas...
- Como?! Acho que não percebi.
- Não é preciso. Deixa estar... Afinal, de que nos serve pôr o dedo na ferida?

Afinal, de que me serves tu agora?

terça-feira, fevereiro 07, 2006

192º















eviltwin

191º

Runaway Train

Call you up in the middle of the night
Like a firefly without a light
You were there like a slow torch burning
I was a key that could use a little turning

So tired that I couldn't even sleep
So many secrets I couldn't keep
Promised myself I wouldn't weep
One more promise I couldn't keep

It seems no one can help me now
I'm in too deep
There's no way out
This time I have really led myself astray

CHORUS
Runaway train never going back
Wrong way on a one way track
Seems like I should be getting somewhere
Somehow I'm neither here no there

Can you help me remember how to smile
Make it somehow all seem worthwhile
How on earth did I get so jaded
Life's mystery seems so faded

I can go where no one else can go
I know what no one else knows
Here I am just drownin' in the rain
With a ticket for a runaway train

Everything is cut and dry
Day and night, earth and sky
Somehow I just don't believe it

CHORUS

Bought a ticket for a runaway train
Like a madman laughin' at the rain
Little out of touch, little insane
Just easier than dealing with the pain

Runaway train never comin' back
Runaway train tearin' up the track
Runaway train burnin' in my veins
Runaway but it always seems the same

Soul Asylum

190º

cymagen

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

189º

Uma carta de Corpus Animus

Todos os dias a mesma espera tentada.
Isto só pode ser perseguição... Espero e acerto sem falha. É um circulo totalmente adultero que me envolve.
O que penso que se concretiza e acaba assim mesmo...
Porquê?! Mas... porquê?...
Sinto revolta pelo passado. Queria presenciar de novo certas coisas, experimentar sabores de que sinto saudade.
És um exemplo disto, sabias?
A ti, queria experimentar-te até à exaustão e depois deixar-te só e sem nada de mim para te agarrares.
Gostava de fazer-te secar, alimentar-me de ti e dar um ponto final na nossa história.
Seria interessante olhares para dentro de mim uma vez mais... E caires.
Seria agradável teres a tua última queda em mim.
Eu vou recuperar mas, tu não sei.
Desculpa-me... Não posso curar isto.
Deixaste abrir uma memória velha. Nunca selámos a nossa união de forma definitiva.
Não conseguimos antes extinguir a paixão?
E agora? Seguimos em frente e atiramos areia para trás?
Vou fazê-lo sem pensar. Nunca mais.

PS: Éramos dois corpos endiabrados e dois espíritos convergentes.
Conseguiamos fundirmo-nos tão bem... Afinal, o que não aconteceu e que tinha que acontecer?

sábado, fevereiro 04, 2006

188º




















Bruno Bisang

187º

O Sexo Instituído (Quebrado)

O meu sexo é livre e irracional,
tem uma vida distante de tudo
o que conheço.
No meu sexo há apenas verdade crua,
porém ilógica.
Para o meu sexo não há pecado a pecar,
não há crime.
Para os sexos a pureza é cor de sangue,
é de gestualidade predadora.
Condenaria alguém alguma vez e em algum lado
o sexo substrato?
A resposta está no instinto,
não no Homem.
A vontade é carniceira e o vínculo?
O vínculo é partidário.

186º





Juan Carlos Rivera

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

185º

Doce Mácula

Sacia-me um pecado,
apressa-me já.
Faz-me veloz, percorrer o teu mármore.
És um monumento móvel, és uma ordem.
Não me atrevo a parar-te.
Tu és despótica,
mas nunca frígida.
Estás a arder,
e a levar-me contigo em chamas.
Estes dedos que vês são também fósforos...
Além disso, há acendalhas junto à cama.
Sei-te macia, leve e límpida.
Vamos dar espaço à mácula e derretermo-nos
entre a seda fina e o algodão dissolvido.
Somos como tecidos por bordar.
Somos peles que vamos coser e unir uma à outra.
Infringimos as leis do Universo, mas como?
Somos terra, ar e fogo... Temos sede.
Vamos então brindar nas águas primordiais.
Imprimir em nós os elementos cosmogónicos...
Caminhemos fundidas pela carne, pelos ossos, pelos fluidos.
Sejamos o casamento perfeito,
a aliança em fuga.

184º













Silvio

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

183º

A porta abre-se lenta e secreta.
Deixa antever a rua de pedras sujas, o céu azul puro.
Deixa partilhar o rasto da multidão flutuante, de danças contemporâneas.
Apesar do ar fresco cheio de novidades, há coisas menos novas, coisas menos interessantes que se contam.

Havia naquela casa uma mistura de antes e agora que se manifestava em cada divisão.
Um antes muito antigo que vinha de dentro dos mármores e das tijoleiras.
Um agora muito novo que vinha de fora das janelas e das portas.
Havia depois o riso seco das velhas pouco surdas e muito sarcásticas, o riso feliz e livre das crianças da criadagem, os gestos barulhentos ou quase silenciosos dos vultos vários errantes.
Em suma, relembro uma casa inquieta que não conheci, um espaço nenhum.

São camadas de informação estéril e oca até mais não.
Há tempo que se está a perder devagar, muito devagar, para nada.
Deixa ficar tudo escuro, deixa calar as vozes, os ecos e as memórias.
Deixa pintar de negro o corpo e a mente para entrar em coma.
Devagar, muito devagar e profundamente...