(...) da ashfixia à serotonina
terça-feira, novembro 28, 2006
384º
Sonata para Piano em Âmnio Menor
Mastiga-me os tempos que espero, esquece
vem cá dançar fora do corpo
e andar, andar, andar
à deriva como os sopros
Cala-te aqui nos braços, voa
sai de mim hoje
e volta, volta depois
ao extinguir das musas e das ondas
E ama, ama ainda mais o segredo
os sonhos quietos a dormir
a nuvem da pele que deixaste
para o adeus, para mim
Haverão os ossos serem terra
as casas os esqueletos
a vida mergulhada em âmnio
e dedos intermináveis
Pois nasce na pauta um Fá sustenido
comprido, penduro-o
para matar as pausas de olhos cerrados
quinta-feira, novembro 02, 2006
381º
Os Meninos e a Preia-Mar
Doce a pá da hélice ou a forca
são doces as coisas mortas a brilhar
as pedras brancas pelos dedos
as unhas afiadas e uma história feia
Os meninos da praia não gostam de ti
não gostam das cordas soltas
não querem brincar...
Os meninos da praia vão dançar
vão subir as dunas e dizer adeus
vão calar as dores na preia-mar...
Doce a unha cravada no chão
são doces as casas frias e as redes
os calos e os olhos tão fundos
os segredos de gaivota e a falésia
E os meninos da praia vão-se embora
na névoa ou nas barcas
pelas mãos da água, do futuro
pelas doces canções na despedida
379º
O último bilhete
O comboio que corre pelas veias
pelas cadeias de ferro e chamas
e a imagem que vai secando
que vai dizendo adeus à noite
para sempre ficar gravada
para sempre lembrar o que não foi
pelo talvez das mãos partidas
O comboio rompe o meu silêncio
canta-me os dias esmagados
nos vidros da janela, nos telhados de Abril
e as sereias que o vento me traz
e as brisas que a pele guardou
para uma carruagem que parte
e a dor irrequieta nunca dorme
O comboio rasga-me e conduz-me para longe
para algures na noite cá dentro.
(...)
«I can go where no one else can go
I know what no one else knows
Here I am just drownin' in the rain
With a ticket for a runaway train»
Runaway Train (Soul Asylum)
quarta-feira, novembro 01, 2006
377º
O Até
O que acaba onde um dia começou
e as linhas da palma da mão são controversas
e os sóis da minha janela calaram-se de rir
calaram-se de repente
E tudo fica igual a sempre
a magia é exactamente magia
os fogos são mentiras
o grito está mudo cá dentro
Algo é exactamente o vazio
algo soa outra vez a outra vez
e o céu repete-se, as luas, as árvores
e os muros intermináveis
E é aqui que eu atraso a hora
que atraso o passo e as coisas todas
que mato as mãos e os olhos
que me aborto para os dias
até as lágrimas dançarem como orvalho
até ser outra vez nada mesmo depois de tudo
E um abraço de ar ou uma gaivota
ou a nuvem fechada num quarto de pensão...